1 - A BAGAGEM DA VIDA
Nunca viajei sem bagagem.
Tentei. Acredite-me, eu tentei. Porém, desde que levantei três dedos no ar e fiz o juramento do escoteiro, prometendo estar preparado, determinei-me a ser exatamente isto: preparado.
Preparado para um bar mitzvah, uma apresentação de bebê, ou uma festa a rigor. Preparado para saltar de pára-quedas atrás das linhas inimigas ou entrar numa competição de críquete.
E, para o caso de o Dalai Lama estar em meu vôo e convidar-me a jantar no Tibete, carrego raquetes de neve. É preciso estar preparado.
Não sei como viajar sem bagagem.
Verdade seja dita, há um monte de coisas sobre viagens que eu não sei. Não sei como interpretar as restrições de um assento super econômico - metade do preço se você viaja na quarta-feira, durante a temporada de caça ao pato, e regressa na lua cheia, num ano sem eleição. Não sei porque não constroem o avião inteiro com o mesmo material que usam para a caixa preta. Não sei como escapar do banheiro de um avião sem sacrificar um dos meus membros às mandíbulas da porta de duas folhas. E não sei o que dizer a camaradas como o taxista do Rio, que percebendo ser eu americano, perguntou-me se eu conhecia o seu primo Eddie, que mora nos Estados Unidos.
Há muita coisa sobre viagem que eu não sei.
Não sei por que nós, homens, preferimos afagar um crocodilo a pedir informações sobre o caminho. Não sei por que slides de férias não são usados no tratamento de insônias, e não sei quando aprenderei a não comer alimentos cujos nomes sou incapaz de pronunciar.
Mas acima de tudo, não sei como viajar sem bagagem.
Não sei como viajar sem barras de granola, sodas, e equipamento de chuva. Não sei como viajar sem lanterna elétrica, um gerador, e um sistema de rastreamento global. Não sei como viajar sem uma caixa de isopor com salsichas vienenses. E se eu topar com um churrasco de fundo de quintal? Não levar nada para a festa seria indelicadeza.
Todos os catálogos de empresas de viagem do mundo inteiro possuem o número do meu cartão de crédito. Tenho um ferro de passar que se dobra como um peso de papel, um secador de cabelos do tamanho de um apito de treinador, uma faca do exército suíço que se expande numa tenda para filhotes, e uma calça que infla sob impacto (Em um vôo, minha esposa, Denalyn, deu-me um tapa na perna, e eu não pude sair do assento).
Não sei como viajar sem bagagem. Mas preciso aprender.
Denalyn recusa-se a dar à luz mais um filho, embora as companhias aéreas permitam a cada passageiro três malas e duas bolsas de mão.
Preciso aprender a viajar sem bagagem.
Você está se perguntando por que não posso. Liberte-se!, você está pensando. Não se pode aproveitar uma viagem carregando tantas coisas. Por que você simplesmente não larga toda essa bagagem?
Brincadeira? Você deve estar indagando. E eu gostaria de inquirir o mesmo de você. Você também não é conhecido por carregar alguma bagagem?
Possivelmente, você o fez esta manhã. Em algum lugar entre o primeiro passo ao sair da cama e o último passo ao sair pela porta, você agarrou alguma bagagem. Você caminhou até a esteira rolante e agarrou a carga. Não se lembra? É porque você fez sem pensar. Não se lembra de ter visto o terminal de bagagem? É porque a esteira não é aquela do aeroporto; é a da mente. E as malas que carregamos não são feitas de couro; são feitas de encargos.
A valise de culpa. Um saco de desgosto. Você acomoda a grossa sacola de fadiga sobre um ombro, e pendura a bolsa de aflição no outro. Adiciona uma mochila de dúvidas, mais a mala postal noturna de solidão, e um baú de temores. Logo você estará arrastando mais trastes que um carregador. Não admira que você esteja tão cansado ao final do dia. Puxar bagagem é exaustivo.
O que você estava dizendo a mim, Deus está dizendo a você: "Arrie a carga. Você está carregando pesos que não tem de suportar".
"Vinde a mim", Ele convida, "todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei" (Mt 11.28).
Se nós lho permitirmos, Deus tornará mais leve o nosso fardo.
Porém, como permiti-lo? Posso convidar um velho amigo para nos mostrar? O Salmo 23.
O Senhor é o meu pastor;
nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos,
guia-me mansamente às águas tranqüilas.
Refrigera a minha alma;
guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte,
não temeria mal algum,
porque tu estás comigo;
a tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus
inimigos,
unges a minha cabeça com óleo,
o meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão
todos os dias da minha vida;
e habitarei na casa do Senhor por longos dias.
Existem palavras mais amadas? Emolduradas e penduradas em saguões de hospitais, rabiscadas em paredes de presídios, citadas pelos vigorosos e cochichadas pelos moribundos. Nestas linhas, marinheiros têm achado um porto, os amedrontados têm encontrado um pai, e os que lutam pela vida têm deparado com um amigo.
E por ser tão profundamente amada, a passagem é vastamente conhecida. Você pode apontar um ouvido onde estas palavras jamais caíram? Musicadas em centenas de canções, traduzidas em milhares de línguas, domiciliadas em milhões de corações.
Um desses corações pode ser o seu. Que afinidade você experimenta com estas palavras? Para onde estes versos transportam você? Ao pé de uma lareira? À beira de uma cama? Junto a um túmulo? Dificilmente se passa uma semana sem que eu volte a eles. Esta passagem é para o ministro o que o bálsamo é para o médico. Recentemente apliquei-as ao coração de um querido amigo. Chamado à sua casa com as palavras "Os médicos não lhe dão mais que alguns dias", olhei para ele e compreendi. Rosto pálido. Lábios esticados e ressecados. A pele pregueada entre os ossos como o pano de um guarda-chuva velho entre as varetas. O câncer havia tirado muito: seu apetite, sua força, seus dias.
Mas o câncer não tocara sua fé. Puxando uma cadeira para junto de sua cama, e apertando-lhe a mão, cochichei:
"Bil, O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Ele rolou a cabeça para mim como que dando boas-vindas às palavras.
"Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente as águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome".
Ao chegar ao quarto verso, receando que ele não me pudesse ouvir, inclinei-me até poucas polegadas de seus ouvidos e disse: "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam".
Ele não abriu os olhos, mas arqueou as sobrancelhas.
Ele não falou, mas seus dedos magros encresparam-se em torno dos meus, e eu me perguntei se o Senhor o estava ajudando a depor alguma bagagem - o medo da morte.
Você tem alguma bagagem? Você acha que Deus pode usar o salmo de Davi para aliviar-lhe a carga? Viajar sem bagagem significa confiar a Deus as cargas para as quais você não foi destinado.
Por que você não tenta viajar sem peso? Tente-o por amor daqueles a quem você ama. Você já considerou o impacto que o excesso de bagagem tem sobre um relacionamento? Temos tratado disto em nossa igreja através de um drama. Encenamos um casamento no qual podemos ouvir os pensamentos do noivo e da noiva. O noivo entra, carregado de bagagens. Um saco pendurado em cada braço e perna. Em cada saco um letreiro: culpa, ira, arrogância, insegurança. Este companheiro está carregado.
Enquanto ele se posiciona no altar, o auditório ouve os seus pensamentos: Finalmente, uma mulher que me ajudará a carregar toda esta bagagem. Ela é tão estável, tão forte, tão...
Enquanto seus pensamentos continuam, os dela começam.
Ela entra usando um vestido de noiva, mas, assim como o noivo, coberta de bagagens. Puxando uma sacola, uma bolsa a tiracolo, um estojo de maquiagem, um saco de papel - tudo o que você puder imaginar, e cada coisa etiquetada.
Ela tem a sua própria bagagem: preconceito, solidão, desapontamentos... E sua expectação? Ouça o que ela está pensando: Mais alguns minutos e eu terei um homem. Nada mais de conselheiros. Nada mais de terapia em grupo.
Adeus desencorajamento e preocupações. Nunca mais os verei. Ele vai tratar de mim.
Finalmente eles se põem no altar, perdidos numa montanha de bagagem. Eles sorriem um para o outro durante a cerimônia, mas quando são convidados a se beijar, não podem fazê-lo. Como abraçar alguém se os seus braços se acham repletos de fardos?
Por aqueles que você ama, aprenda a depor a carga.
E por amor ao Deus que você serve, faça o mesmo. Você sabe, ele quer usar você. Porém, como poderá fazê-lo, se você está exausto? Esta verdade ocorreu-me ontem à tarde, numa corrida. Preparando-me para correr, eu não podia decidir o que usar. O sol estava de fora, mas o vento estava frio. O céu estava claro, mas havia previsão de chuva. Casaco ou moletom? O escoteiro dentro de mim prevaleceu. Vesti ambos.
Peguei meu walkman, mas não conseguia decidir que fita levar. Um sermão ou uma música? Adivinhou. Levei ambos.
Precisando estar em contato com minhas filhas, levei um celular. Para que ninguém roubasse meu carro, embolsei as chaves. Numa precaução contra a sede, levei comigo uma pochete com algum dinheiro para refrescos. Parecia mais um burro de carga que um corredor! Com menos de um quilômetro, eu estava tirando o casaco e escondendo-o num arbusto. Esse tipo de peso diminuirá a sua marcha.
O que é verdade em corrida é verdade na fé. Deus tem uma grande corrida para você participar. Sob o cuidado dele, você irá onde nunca esteve e servirá de maneiras que jamais imaginou. Porém terá de largar alguma coisa.
Como você pode partilhar graça, se está cheio de culpa?
Como pode oferecer conforto, se está desalentado?
Como levantar a carga de alguém, se os seus braços estão carregados com a sua própria?
Por aqueles a quem você ama, viaje sem bagagem.
Pelo Deus a quem você serve, viaje sem bagagem.
Para sua própria alegria, viaje sem bagagem.
Há certos pesos na vida que você simplesmente não pode carregar. Seu Senhor está lhe pedindo para largá-los e confiar nEle. Ele é o pai que reivindica a bagagem.
Quando um pai vê o filho de cinco anos tentando puxar da esteira rolante a mala da família, o que ele diz? O pai dirá ao filho o mesmo que Deus está dizendo a você.
"Largue isto filho. Eu a carregarei".
O que você acha de aceitarmos o oferecimento de Deus?
Poderíamos simplesmente achar-nos viajando um pouco mais leves.
De qualquer modo, posso ter exagerado sobre minha bagagem. (Geralmente não carrego raquetes de neve.) Mas não posso exagerar sobre a promessa de Deus: "Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós" (1 Pe 5.7).
Fonte: Livro Aliviando a Bagagem (Max Lucado)
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